quinta-feira, maio 26, 2011

No meio do caminho

Meio-dia, sol de rachar e quatro meninos dispostos a desafiar as impossibilidades a qualquer custo. A missão era mais importante que os obstáculos e eles sabiam disso, apesar do pouco tempo no mundo.
Enquanto os mais velhos apressavam cada vez mais os passos, os menores iam mais lentos, aproveitando tudo que viam pelo caminho. E não era pouco. Tinha de tudo naquela estrada. Pedra grande, pedra pequena, flor rasteira, flor estranha, espinho, barro, resto de bicho e, de vez em quando, carroças, bodes e lagartos enormes.
Com perninhas de sabiá, a menorzinha fazia cantar as sandálias, tentando pegar o que de melhor havia entre aquilo tudo e acompanhar a pisada do irmão. O silêncio só era quebrado por alguns assovios do garoto, buscando imitar os pássaros ou chamar o cachorro, que vinha atrás, se perdia e os achava, cambaleando de cansaço. Valente, o bichinho não desistia também, embora desconhecesse o rumo da viagem e o porquê.
Eram cinco, na verdade. Porque aquele cachorro era mais esperto que muita gente, diziam. “Não fala para não ir à escola”, sempre lembrava o pai.
Nada levavam além da certeza de que era preciso seguir em frente, apesar da fome, do calor, da sede e das bolhas nos pés. Além das brotoejas, que brotavam às centenas, no pescoço, atrás das orelhas e nas costas. Aquilo coçava que era um inferno. Doía, coçava, ardia e alfinetava a pele, por baixo das roupas.
Eles não desistiam. Iriam até o fim. E assim foram, até que o mais velho avistou o que queriam. E pediu que os irmãos apressassem o passo. Correram e quase cortaram os pés, em meio aos pedregulhos.
Entraram pelo mato, em meio às urtigas, carrapateiras e ao desconhecido, atrás do maior. É ali, peguem tudo que puderem levar, nas mãos e nos bolsos.
Ágeis, foram catando os matinhos que o irmão mostrava e enchendo a roupa. Cheirava forte aquela erva. Cheiro bom, como se a terra deixasse ali sua seiva, sua essência. Dava vontade até de comer, pelo cheiro e pelo vazio na barriga. Mas não podiam desperdiçar. Quanto mais, melhor, lhes falaram em casa, antes da saída, quando os galos ainda cantavam e o sol era um tímido rasgo no céu.
Fizeram o caminho de volta bem mais animados e até ensaiaram um canto qualquer, aprendido nas inúmeras andanças, naquele mundo que era só deles.
Ao dobrarem a última curva, viram a mãe na soleira, com a mão sobre a testa, tentando busca-los à distância. O aceno rápido da mulher os fez correr ainda mais. Podia não dar tempo e tudo teria sido em vão.
Entregaram tudo e sacudiram cada pedaço de pano, para ver se tinham entregue todo o mato colhido. O chá foi feito, mas o caçula não resistiu e nem chegou a tomar do remédio trazido pelos irmãos. O cheiro da terra ficou no ar e não foi capaz de estancar as lágrimas dos pequenos, que sentiram a dor mais amarga de se provar nessa vida. A fome passou, os calos adormeceram e a noite chegou mais cedo, deixando para sempre o sol do meio-dia queimando a retina. Naquele momento, a esperança virou pó.