quinta-feira, maio 26, 2011

Uma paraíba no frio

A coisa é complicada. Mesmo depois de cinco longos invernos, meu pobre e franzino corpo não está pronto para enfrentar a maratona do frio. Reclama, o bichinho, que dá dó. Não adiantam, porém, suas queixas, porque eu realmente não sei o que fazer para aplacar a fúria gelada que toma conta de tudo, invade as paredes, desafia os vidros das janelas, a montanha de cobertas jogadas sobre a criatura indefesa _ ali, parada, sem forças para se mover, deslocar qualquer ínfimo centímetro no colchão que lhe abriga noite adentro.
 

Achando que já tinha o controle sobre esse tal frio, até zombei de amigos catarinas, invernos passados. Não imaginava que aqueles eram invernos atípicos, camaradas, bonzinhos comigo. Fui completamente enganada pela estação, que deixa tudo bem bonito em volta, não posso negar, mas que tem me atormentado dia e noite. É sério, está bem difícil levar essa coisa...
 

Gosto de ver as pessoas nas ruas, encasacadas, com mãozinhas nos bolsos, cachecóis no pescoço, botas, gorros, luvas, exibindo o charme que só o inverno traz. Gosto também de me sentir meio borboleta nesses dias, me enclausurando em casa, me enchendo de sopas, massas, calorias, filmes, chocolates quentes, músicas gostosas tocando enquanto escrevo, enrolada na manta de lã, em paz.
 

Mas isso tudo é muito bom enquanto o frio é suportável, enquanto não chega a fase dos “ais” e “uis”, de dor mesmo, dor de tanto contrair os ombros, dor de colar uma perna sobre a outra _ em vã tentativa de aquecê-las _ nas mãos, na cabeça, na face.
Quando o frio chega nesse ponto, a diversão vai embora e peço a Deus que desligue o ar-condicionado, porque está perto de até o ar ficar sólido e todo mundo virar picolé.
Essa semana foi a mais fria de toda a minha vida _ e olha que já se vão quase quatro décadas de existência sobre a face da Terra. Durante o dia até que a coisa vai mais amena. À noite, no entanto, o bicho pega.
 

Primeira etapa: o banho. Terror no terceiro andar. Chuveiro ligado, prestes a queimar a resistência, banheiro fechado e o ritual desesperador, entre começo, meio e fim. Quilos de roupa, pulinhos para aquecer. Seca cabelo, seca, seca, seca. Alívio. Abre porta. Toca o terror parte dois. Mais pulinhos, breve corrida: quartos, sala, cozinha. Vamos ao jantar.
 

Comida quente, espumando de tanta caloria. Capricho nas massas, nos queijos, nata, bacon, pimenta. Vai de tudo um pouco. Jantar no sofá, enrolada na coberta, com prato quente sobre almofadas estrategicamente aprumadas no colo. Finda a refeição, hora de correr pra cama, ligar a TV e pedir a Deus que tudo comece a aquecer o mais breve possível.
 

Dica: faça como as cobras, se arraste lentamente, vá reconhecendo a área, para não ser pega pela parte que ainda está gelada. Desça sob a montanha das cobertas, enfie a touca na cabeça, deixe apenas o nariz de fora e espere o sono colaborar e lhe trazer a ausência dos sentidos temporária, que lhe manda para longe do mundo gelado por algumas horas. A paz, enfim. Até que o novo dia chegue e tudo recomece, enquanto o inverno durar.